quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Terça feira, 1 de Agosto de 1944


Querida Kitty,
“Um feixe de contradições”, foi como terminei minha carta anterior e é o início desta. Por favor, pode dizer exatamente o que é um feixe de contradições? O que significa contradição? Como tantas palavras, pode ser interpretada de dois modos: uma contradição imposta por fora e uma contradição imposta por dentro. A primeira significa não aceitar as opiniões dos outros, sempre saber mais, ter a ultima palavra; resumindo, todas aquelas características desagradáveis pelas quais eu sou conhecida. A segunda, pela qual não sou conhecida, é meu segredo.
Como já disse muitas vezes, sou partida em duas. Um lado contém minhas exuberância, minha petulância, minha alegria na vida e, acima de tudo, minha capacidade de apreciar o lado mais leve das coisas. Com isso quero dizer que não acho nada errado nos flertes, num beijo, num abraço, numa piada pesada. Este meu lado costuma ficar à espreita para emboscar o outro, que é mais puro, mais profundo e melhor. Ninguém conhece o lado melhor de Anne, e é por isso que muita gente não me suporta. Ah, eu posso ser uma palhaço divertido durante uma tarde, mas depois disso todo mundo se enche de mim durante um mês. Na verdade sou aquilo que um filme romântico representa para um pensador profundo- uma simples diversão, um interlúdio cômico, Aldo a ser logo esquecido: que não é ruim, mas que Tb não é particularmente bom. Odeio ter de dizer isso, mas por que eu não deveria admitir, já que conheço a verdade? Meu lado mais leve, mais superficial, vai sempre tirar vantagem do lado mais profundo, e com isso vencerá sempre. Você não pode imaginar quantas vezes tentei empurrar para longe essa Anne – derrubá-la, esconde-la. Mas isso não funciona, e sei por quê.
Tenho medo de que as pessoas que me conhecem descubram que tenho outro lado,. Um lado melhor e mais bonito. Tenho medo de que zombem de mim, de que pensem que sou ridícula e sentimental, e que não me levem a serio. Estou acostumada a não ser levada a serio, mas somente a Anne leviana consegue lidar com isso; a Anne mais profunda é fraca demais. Se eu forçar a Anne boa ao palco por pelo menos quinze minutos, ela se fecha como um marisco no momento que é chamada a falar. E deixa a Anne número um dizer o texto . Antes que eu perceba ela desapareceu.
É por isso que a Anne terna e simpática nunca vem à superfície na presença das outras pessoas mas é a sua voz que domina na solidão. Sei exatamente como gostava de ser, sei como sou... no íntimo, mas, infelizmente, só sou assim quando estou sozinha comigo. E isto é, talvez, não seguramente, a razão por que chamo à minha natureza íntima uma natureza feliz e porque os outros chamam feliz à minha natureza exterior. No meu interior, a Anne pura é que me indica o caminho; exteriormente, não passo de um cabritinho que pula de alegria e de animação. Como eu já disse, vejo e sinto as coisas de um modo e exteriorizo as de outro e tenho, por isso, a fama de ser uma rapariga doida por rapazes, sempre a "flertar", sempre impertinente e sempre a ler romances. A Anne alegre ri se, dá respostas atrevidas, encolhe os ombros com indiferença como se isso nada tivesse que ver com ela, mas, ai de mim!, a Anne calada reage ao contrário. Como sou sempre franca contigo, vou confessar te que tenho pena, que me esforço terrivelmente por me modificar, mas que luto sempre contra forças superiores às minhas. Dentro de mim uma voz sussurra: Vês o resultado? Más opiniões a teu respeito, caras trocistas e consternadas, gente que te acha antipática, e tudo isto porque não queres ouvir os conselhos do teu próprio lado bom. Ai! Bem os queria eu ouvir, mas não pode ser; quando estou calada e séria, todos pensam que estou a representar uma nova comédia. Para me salvar só me resta dizer uma piadinha. Pior ainda quando se trata da minha família que imagina logo que estou doente e me impinge pastilhas contra as dores de cabeça e o nervosismo, que me toma o pulso a ver se tenho febre, que pergunta como funciona o aparelho digestivo para, em seguida, censurar o meu mau génio. Não suporto semelhante coisa. Quando me tratam desta maneira, torno me ainda mais impertinente, fico triste e, por fim, viro o meu coração do avesso o lado mau para fora, o bom para dentro e continuo a procurar um meio para vir a ser aquela que gostava de ser, que era capaz de ser, se... sim, se não houvesse mais ninguém no Mundo.
Tua Anne M. Frank

AQUI TERMINA O DIÁRIO DE ANNE

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